quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A HISTÓRIA, TAL E QUAL


Já por diversas vezes estive tentado a escrever sobre este assunto, mas por falta de dados concretos, e para não avivar recordações algo dolorosas para terceiros, embora os Actores Principais (eu por enquanto excluído) já não estejam entre nós, mas acontece que, sempre que estou com vários Amigos reunido, normalmente enquanto esperamos  pela saída dos funerais no Adro da Igreja na Terra, sou bombardeado (no bom sentido) pelas muitas asneiras de que fui protagonista na minha juventude, por norma vem sempre aquela que mais brado deu, apesar dos cinquenta anos já passados! De facto segundo alguns destes Amigos, que guardam na memória o inicio dos acontecimentos, terá sido na noite de 19-9-1963 que dei a conhecer umas quadras que me surgiram enquanto trabalhava para o meu Tio Júlio. A minha memória pouco guarda desse acontecimento, a não ser o resultado final, esse sim não esqueço, mas há até quem se recorde de algumas quadras, é obra!



Corria o Verão de 1962, vou trabalhar para a quinta do Rui do Rato, que dista cinco quilómetros de Vila Verde, feitos  a pé, e a entrada ao serviço é ao nascer do Sol, portanto seriam cinco da madrugada quando há saída da Terra onde hoje está o edifício da Junta de Freguesia sou confrontado com a morte do meu Pai, no poço ainda hoje existente, (mas coberto). O meu Tio Júlio que cultivava algumas propriedades dele e outras de renda, penso que para me poupar de eu passar no local da tragédia, disse-me para ficar uns tempos a trabalhar para ele, tinha quinze anos mas já muito sofridos e vividos, naqueles tempos éramos Homens para o mal e para o bem logo que saíamos da escola (aqueles que a frequentaram). Ora  andar a trabalhar grande parte do dia só, sem ter com quem falar, custava um bocado, assim, na falta de alguém com quem conversar, ia falando comigo mesmo, nas coisas que me estavam a acontecer, e em tudo, o que um dia tão longo permitia, como já naquele tempo me repugnavam as injustiças, era sobre estas que mais ia meditando, até que um dia resolvo passar a escrito alguns desses pensamentos, um dos quais acabei de escrever em quadras, que dariam pano para mangas.



A história foi assim;  finais dos anos cinquenta do século passado, ou inícios da década seguinte não sei precisar, a Cáritas Diocesana encarregou a Igreja local de fazer a distribuição de alguns alimentos e roupas pelos Pobres da Freguesia, ficou encarregue da sua distribuição o Sacristão e Regedor da Terra em cuja habitação guardava esses bens para posteriormente os distribuir pelos mais necessitados, a minha casa era uma das beneficiadas, pois era só eu a ganhar algum dinheiro (pouco, ou nenhum quando chovia) para alimentar vestir e calçar, Mãe, Irmã e eu próprio, era portanto uma das mais Pobres da Terra, para além da minha Mãe ser afilhada de casamento do casal que destribuia esses bens, entretanto começa a constar que afinal não eram só os necessitados a lá ir, também se abasteciam lá alguns, com poder de compra razoável, em especial pela qualidade de alguns dos bens alimentícios como o leite em pó, queijo e a farinha, de trigo e milho.



Isto era falado nas tabernas para onde íamos há noite, e muita Gente falava nisso, em especial no caso da farinha onde as camionetas que a transportavam já não a iam colocar no destino, mas antes na padaria local, isto era praticamente do conhecimento de todos, mas ninguém se atrevia a ir além da conversa de taberna, o Homem era a Autoridade máxima tanto Civil como Religiosa na Terra, e sabíamos nesses tempos como Igreja e Regime andavam de mãos dadas, eu como era um caso perdido não media as consequências que daí podiam vir, e pumba, á noite já com algum copo á mistura, pois parece pelas informações que hoje tenho que teria estado a comemorar os anos dum Amigo, na companhia de mais alguns da nossa idade, tiro do bolso o papel onde tinha as tais quadras e mostro-as no café da Dª Matilde (que ontem mesmo acompanhei á última morada), alguém, ou eu mesmo, com o ambiente entretanto criado, qual poeta Bocage, entusiasmado pelos aplausos da plateia, foram afixados na porta da garagem do Alfaiate, logo ali ao lado do café.



Daí para a frente foi uma bola de neve, alguém os terá afixado na porta da Igreja antes da Missa de Domingo, e a partir daí foi um ciclone autêntico, por um lado era o acusado que ameaçava fazer-me a folha, com uma queixa na Guarda, por outro os que falavam em sussurro sobre o assunto e que a partir daí sentiram que já podiam falar abertamente e me defendiam, oferecendo-se até para testemunhar a meu favor se fosse caso de isso, pois iam lá comprar alguns produtos, outros como o caso do Padeiro e Esposa, foram sempre meus Amigos, apesar de lhes ter de alguma maneira prejudicado o negócio, mas que pagavam como se a comprassem na moagem, era a qualidade da farinha de trigo que não existia na nossa, a razão de a comprarem ali, este braço de ferro dura algum tempo, pouco é verdade porque rapidamente chega ao conhecimento dos responsáveis máximos da Cáritas do que se estava a passar, e transferem as roupas e alimentos para distribuir pelos Pobres para a Povoação vizinha do Vilar, no Concelho do Cadaval! Agora arranjei outros «inimigos», aqueles que necessitando, lá iam buscar alguns bens, que agora acabaram! Onde eu me fui meter!



Passados 50 anos, com a borrasca a caminho da bonança, que chegará finalmente quando eu fizer o percurso que fiz ontem mas na horizontal, pois sei que apesar dos Actores principais já não estarem entre nós, nem terem deixado descendência, houve quem tomasse as suas dores, e isso não é disfarçável, mas é para o lado eu durmo melhor, o que me custa, e isso não é reparável, foram os beneficiários Pobres desses bens, especialmente os alimentícios, terem ficado privados dos receber por obra e graça das quadras que fiz.
Aqui fica a história, contada pelo próprio, tanto quanto a memória me permite ser fiel ao que se passou, como sei que há leitores que viveram esta época, navegam nestas águas, (um pelo menos  assistiu ontem ao debate/recordação) e se recordam o que se passou, façam favor de dizer de sua justiça, se o não quiserem fazer para que todos leiam, sirvam-se do E-Mail.






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