quarta-feira, 9 de abril de 2014

FAZ HOJE QUARENTA E OITO ANOS

Ora cá estou eu de volta ao blog, mais propriamente ao «Purgatório» onde vou tentando espiar os meus pecados, não vai ser fácil ver-me livre de todos, mas vou tentando atenuar a lista que é longa, hoje como se poderá ver, é mais um da longa lista, e daqueles de fazer tremer as pedras da calçada, para começar direi que é dia de aniversário, não de anos vividos mas de asneiras passadas, 48 é um número já impressionante, a data do acontecimento é 9 de Abril de 1966, Sábado de Aleluia, na Escola de Fuzileiros, em Palhais e em todo o Mundo Cristão.


Mas vamos ao inicio, estava na Marinha, na Escola de Fuzileiros em Vale de Zebro, com castigos continuados, uma longa lista fazia parte do meu cardápio, tinha atingido a 4ª classe de comportamento, creio que a seguir já não havia mais nenhuma, e nessa classe nem em armas de fogo me deixavam pegar, a única arma, se assim lhe posso chamar era o velho sabre da espingarda Mauser, que me servia para fazer plantões de castigo, chegados aqui, e numa especialidade onde os tiros e armas de fogo eram o pão nosso de cada dia, recebo ordem de marcha para ser transferido para outra Unidade da Marinha, o Alfeite, mau, agora é que a porca torce o rabo, dali não consigo ir a salto, mas vou ter de arranjar maneira de me safar desta, o Oficial de dia acompanha-me ao autocarro Militar que fazia o transporte do Pessoal para o Alfeite e volta, e diz ao Motorista para largar este gajo (o gajo era eu) só no Alfeite, pois bem Manel, já te dou a resposta.



O autocarro arranca, anda umas centenas de metros e pára junto á Porta de Armas, foi o momento para eu desopilar dali a grande velocidade pela mata dentro, os locais para sair da Escola conhecia-os todos de fio a pavio, andei dentro da Unidade quase uma semana dado com o ausente, e posteriormente como desertor, ajudava na cozinha para poder forrar o estômago, pois não podia entrar no refeitório sob pena de ser visto por quem não devia, durante esse tempo saía da Unidade de salto como fazia quase sempre, e ia congeminando a maneira de me safar desta sem males maiores, mas chegado aqui a única safa era dar o salto para o Estrangeiro, transmiti a ideia a alguns Amigos Civis em Palhais e combinámos fazer-mo-nos ao caminho, eu, o Hugo, e o Carlos Bento, nesse Sábado juntámo-nos eu e o Carlos na Sociedade Recreactiva de Palhais, mas o Hugo roeu a corda!


Mas nem com essa baixa de última hora desistimos, por volta da meia noite lá seguiram estes dois aventureiros, com destino a Marvão no Alentejo, levávamos como G.P.S. uma agenda de bolso com o mapa de Portugal, e meia dúzia de Escudos, e durante cinco dias e cinco noites sempre a pé, e debaixo de chuva, escondendo-nos sempre que víamos alguma viatura pois não tínhamos dúvida que o alerta já tinha sido dado, ao quinto dia chegámos a Elvas, a trovoada com chuva forte não parava, abrigava-mo-nos junto de árvores, decidimos então alterar a rota e ir tentar a sorte na Fronteira do Caia, chegámos de manhã, o Rio transbordou e a cheia era de meter medo, ali andámos a tentar arranjar o local mais ou menos seguro para atravessar o Rio, e quando demos por isso, estávamos apanhados, a P.I.D.E. deitou-nos a mão, levados para o Posto, ficamos aí sentados num cubículo, á espera de levar uma coça, coisa em que os esbirros eram especialistas, mas nada acontecia, até que ao fim de algumas horas somos metidos dentro dum Citroen 2 cavalos e levados para outro posto da P.I.D.E. agora em Elvas.

Aí chegados, dão-nos de comer, (eram uns queridos) e separados, (por mais de trinta anos) na manhã seguinte sou novamente interrogado, acompanhado duns tabefes, e o sacana do P.I.D.E. diz-me então o menino é tropa e não dizia nada? Não, como ainda tinha dezanove anos estava á espera que me soltassem, para eu voltar a dar o fora! É o soltas, vais para uma Unidade Militar aqui em Elvas, e assim foi, durante cinco dias fui o preso mais popular do Quartel de Caçadores Nº 8, findas estas férias forçadas, chega um duo de Fuzileiros de pistola á cintura e algemas no cinturão para me levar de volta, não para o Forte de Elvas,  que era o meu maior receio, mas para o Alfeite, o destino que eu quis driblar quando fugi do autocarro na Porta de Armas da Escola de Fuzileiros, afinal atravessou-se agora no meu caminho, e desta feita era mesmo para ver o Sol aos quadradinhos.


Que se lixe, perdido por um perdido por mil, e lá seguimos os três de comboio até Santa Apolónia durante horas, eles com medo que eu tentasse fugir, eu com receio de levar um tiro, pois ambos tinham chegado á pouco duma comissão no Ultramar, e vinham nervosos!
Correu tudo bem, fizemos o percurso Santa Apolónia a pé até á Doca da Marinha, as Pessoas a olharem espantadas pois via-se á légua que o gajo que ia á civil no meio dos dois marmanjos ia preso, embarcámos na Vedeta para o Alfeite e aqui chegado fui engavetado, mais vinte e dois dias, findos os quais me dão a grande noticia, afinal não vais para o Forte de Elvas, vais antes para casa e ficas á espera de ser chamado para cumprir o Serviço Militar no Exercito e completo, pois este ano e tal aqui não conta para nada, foi só prejuízo que destes á Armada, vai em paz, e fui! Só que com a aprendizagem que aqui tive, o Exercito viu-me por um canudo!

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  2. Gostei da história...Lutastes por aquilo que desejavas e vencestes. Fostes castigado, não perdestes a dignidade, não fostes louvado mas alcançastes a liberdade! Fizestes trinta por uma linha, andastes fugido dentro do quartel. Querias dar a salto para a outra banda, mas lá Caio fostes apanhado pelos amigos de Salazar, que te devolveram à unidade. Tivestes muita sorte por que não te chegaram a roupa ao pêlo. Estavas disposto a tudo. Morra o homem fica a fama. Pensam alguns malucos. O melhor é o homem continuar a viver com a fama!

    Um abraço para ti amigo Virgílio.
    Eduardo.

    ResponderEliminar
  3. Ganda Virgílio... Esta é para contar aos netos!

    ResponderEliminar
  4. Na altura, eu não percebia nada de política. Não compreendia porque é que o mano queria "fugir", mas tu vias sempre tudo mais além do que as outras pessoas. Sofri por saber que o meu mano estava preso e por ver a mãe triste. Passado alguns anos percebi que eras um herói!
    Um grande beijinho da mana

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.